quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A produção da memória afrobrasileira


A partir dos anos 80, as pesquisas sobre escravidão no Brasil começaram a abrir outras perspectivas para a compreensão da vida dos escravos. Os cativos que até então eram considerados apenas como mercadoria, ou força de trabalho, passaram a serem vislumbrados em outros aspectos do cotidiano, tais como em suas relações cotidianas, familiares, em seu universo religioso, entre outros, e isso fez com que os estudiosos pudessem afirmar que os escravos foram sujeitos participantes do processo histórico no qual estavam inseridos, e não apenas mera mão-de-obra.

Sendo hoje um componente cultural muito importante, o termo “nação” era atribuído aos escravos pelos agentes colonizadores (Estado, Igreja, comerciantes) e definido no quadro do Império português. Estas nações eram colocadas junto aos novos nomes cristãos que os escravos recebiam no ato do batismo. Geralmente estas nações correspondiam a um sistema que compreendia territórios, povos, principais mercados onde os escravos eram comercializados e portos de embarque no território africano. Só a partir daí é incorporado pelo grupo. 

Logo, as nações atribuídas pelos colonizadores aos escravos africanos no circuito do tráfico, tais como: angola, benguela, nagô, mina, jeje, entre outras, tiveram impacto significativo na vida desses cativos e nas suas formas de reorganização no Novo Mundo. 

Com a descoberta do ouro em Minas Gerais, na última década do século XVII, tornou-se urgentemente necessário encontrar escravos que fossem mais fortes e mais aptos para o trabalho nas minas do que os bantos de Angola e do Congo. Isso levou a reabrir o tráfico de escravos entre os portos brasileiros e a ‘Costa da Mina’, como os portugueses chamavam a Baixa Guiné. Neste contexto, “negro” e “crioulo”, que quer classificar, respectivamente, vindo da África e nascido no Brasil.




E como seria a inserção social do cativo? Através do campo religioso, obviamente! Existiam as irmandades da Igreja Católica e para os negros ou crioulos se permitiam as chamadas irmandades de pretos, que obtiveram grande representatividade na sociedade colonial erguidas por escravos e forros, homens e mulheres, e foram um dos únicos ou talvez o único meio de associação legal permitido aos escravos. Elas foram permitidas porque o ritual de morte era o único ritual permitido pelos cristãos aos africanos. E, já que estes ritos deveriam existir - para não atiçar ainda mais a ira dos grupos escravizados e violentados -, que existissem sob a guarda da Igreja Católica. A irmandade tornou-se, então, uma espécie de família ritual, em que africanos desenraizados de suas terras viviam e morriam solidariamente, valorizando as manifestações religiosas como meio de ressignificação cultural e reconhecimento social. O destino dos escravos sem proteção confrarial (não filiados a irmandades como a Irmandade do Rosário dos Pretos) era o valão. Isso reforça a reapropriação pelos escravos das denominações do tráfico, utilizando-as como forma de se organizarem política e culturalmente. 

Apropriando e dando novos significados aos símbolos e práticas católicas, os cativos praticaram o sincretismo que alcança diversos sentidos como mistura, confusão, combinação, superposição, síntese, entre outros, de maneira a ressignificar as suas próprias crenças e rituais. Nessa perspectiva, as irmandades recebem um caráter para além de religioso e tornam-se algo importante para a vida social dos negros. Mesmo em dimensões que absorvem significados para além daqueles colocados pelo catolicismo, as manifestações dos negros adquirem sentidos próprios.


Os Sudaneses e os Bantos

Como dito anteriormente, no quadro da escravidão brasileira, essas novas identidades entre africanos seriam, muitas vezes, criadas tendo como base os rótulos conferidos aos escravos pelo tráfico. 
Sendo assim, os africanos que vieram escravizados para o Brasil podem ser agrupados basicamente em dois grandes conjuntos étnicos: os sudaneses e os bantos.

Os sudaneses são da região do Niger, na África Ocidental. Dentre eles, se destacam os nagôs (yorubas) da Costa dos Escravos, os jêje da mesma região e os mina da Costa do Ouro. Dos três grandes ramos sudaneses – ocidentais, centrais e orientais - vieram
principalmente para o Brasil, em ordem de importância, os ocidentais (nagô, gêge, mina, mandinga) e os centrais (haussa, bornú, kanúri).

Os bantos, entre eles os congo e angola, vivenciando uma cultura bastante
diferenciada da dos sudaneses, foram introdutores no Brasil de elementos culturais que
marcaram as tradições populares das festas do boi, capoeiras, batuques assim como
danças, ritmos, instrumentos musicais.


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